No Paraná, metade das crianças que esperam por transplante morre na fila

01/03/2012 21:47

 

No Paraná, metade das crianças que esperam por transplante morre na fila

Falta de órgãos para esse grupo é agravada pela dificuldade que profissionais de saúde têm de abordar famílias de potenciais doadores



 

Francismar Lemes

Do total das crianças paranaenses que precisam de transplantes de órgãos, entre 40% a 50% morrem na fila de espera por uma doação. Um dos principais problemas que colaboram com esse índice é a resistência dos próprios profissionais da área de saúde em realizar o protocolo de transplante e a abordagem das potenciais famílias doadoras. Estatística da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) revela que, no Paraná, em 2011, ocorreram apenas seis doações de órgãos na faixa etária entre 12 e 17 anos. Não houve nenhuma doação de órgãos de crianças paranaenses de zero a 5 anos e de 6 a 11 anos. Comparativamente, segundo a entidade, São Paulo captou 80 doações no mesmo período.

“Os hospitais que trabalham essa faixa etária resistem em fazer todo o protocolo necessário para a doação e os profissionais evitam a abordagem das famílias. Esses profissionais não dão nem a chance aos familiares de uma criança que morreu refletirem sobre a possibilidade e a decisão ou não pela doação de órgãos”, revela a diretora da Central Estadual de Transplantes, Arlene Terezinha Cagol Garcia Badoch.

Sentimento de culpa é limitador

Para médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos que acompanham o drama das famílias de crianças na iminência de morte, é difícil escolher o momento da abordagem. Na avaliação da coordenadora do CIHDOTT, Érika Fernanda, os profissionais ainda têm de lidar com o sentimento de culpa dos pais em casos de morte de um filho por trauma. “De um lado você tem uma família com uma dor imensurável pela perda de um filho e de outro uma família que vive em constante angústia, esperando por alguém que seja generoso e doe os órgãos de uma criança. O profissional de saúde precisa estar preparado para lidar com essa situação.” Ela acrescenta às causas para o baixo índice de doações também aspectos religiosos e sociais dos profissionais de saúde, que, em alguns casos, podem se posicionar contrariamente ao procedimento.

Nova vida para Maria Eduarda

A doação do fígado de uma criança que morreu afogada salvou a vida de Maria Eduarda Claudino Rodrigues dos Santos, 3 anos. A mãe, a dona de casa Vanderléia Rodrigues da Silva, 26 anos, reconhece o gesto de generosidade da família doadora, que deu uma nova chance à filha. Maria Eduarda nasceu com atresia das vias biliares e, segundo a mãe, deveria realizar o transplante com até 1 ano e dois meses. Em 2010, a menina foi submetida à cirurgia. “Minha filha não conseguia nem ficar sentada. Sofremos muito com a doença dela”, lembra Vanderléia, que morava em Londrina e atualmente reside em Alvorada do Sul. Hoje, Maria Eduarda leva uma vida normal. “Tenho vontade de conhecer a família da criança doadora e guardo um sentimento grande de gratidão. Se não fizessem esse gesto grande, eu não teria a minha filha comigo.”

Hoje, no Paraná, uma criança espera por um coração e três dependem da doação de fígado para continuar vivendo. Sessenta e seis aguardam por um rim. Esses pacientes ainda têm a chance de sobrevida submetendo-se à hemodiálise. “Depende de vários fatores, mas as que precisam da doação de coração ou fígado vão evoluir para o óbito se não encontrarem doador”, constata .

Envolvimento

A coordenadora da Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT) do Hospital Infantil Sagrada Família, de Londrina, a enfermeira Érika Fernanda Bezerra, aponta que um dos motivos para o profissional não realizar o protocolo para a constatação de morte cerebral e a abordagem familiar é o envolvimento emocional. “O profissional vivencia também o momento de dor e de perda com os pais e, por isso, sente dificuldade de abordar a família para falar sobre a doação dos órgãos do filho”, destaca.

Já a diretora da central estadual, Arlene Badoch, acrescenta que o baixo número de doações de órgãos de crianças deve considerar também a redução da mortalidade infantil e que grande parte das mortes nessa faixa etária acontece por traumas.

Apesar do cenário desanimador, o Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba, referência em transplante pediátrico no Paraná, realizou, no ano passado, 17 transplantes de fígado, um de coração e 27 de rim. Números que somente foram alcançados graças aos órgãos de doadores de outros Estados.

A capacitação de profissionais de saúde pode interferir nessa situação no Paraná, já que a prioridade na lista de transplantes é para receptores no próprio Estado da captação. As crianças paranaenses que não encontram um doador no próprio Estado entram na fila nacional em que a espera pelo órgão pode ser ainda maior.

Em Londrina, a CIHDOTT do Hospital Infantil Sagrada Família pretende contribuir para mudar essa realidade. No início do mês, profissionais da área de saúde pediátrica participaram de um treinamento com reforço às orientações sobre como abordar as famílias de potenciais doadores.

Fonte: https://www.jornaldelondrina.com.br