Dura realidade dos transplantes:Transplante: espera pode durar até 10 anos
Transplante: espera dura até 10 anos
Aline Guedes
“O que eu tenho mais medo é de sofrer na máquina de hemodiálise. Já padeci tanto que algumas vezes pensei em desistir de viver. Porque se for para viver sofrendo, é melhor morrer”. Apesar do desabafo, o autônomo Humberto de Sousa Nunes, de 48 anos, ainda tem esperança, mesmo depois de 10 anos aguardando por um rim. Essa é a realidade de 361 pessoas que esperam por um transplante na Paraíba. Os serviços precários e a falta de doadores aumentam a fila e prolongam a dor dos pacientes.
Segundo o promotor de Justiça da Saúde, João Geraldo Barbosa, o nó desse problema está em algo básico que a Paraíba não possui: um sistema público de transplantes. “Os médicos possuem capacitação, mas a maioria não é especialista. Isso é um problema histórico, o Estado não tem estrutura para isso. O primeiro passo para organizar esse sistema é fazer um concurso público para médicos transplantadores”, alegou.
Um único doador pode ajudar a salvar a vida de mais de dez pessoas. Mas, em 2011, foram registrados somente nove doadores no Estado. Podem ser doados córneas, coração, pulmão, rins, fígado, pâncreas, ossos, medula óssea, pele e válvulas cardíacas. Entretanto, aqui na Paraíba, só são realizados transplantes de córnea, fígado, rins e coração. Este ano, só foram transplantadas seis córneas, cinco rins retirados de cadáveres e outros três rins de doadores vivos.
Só 14 recebem órgãos
Na Paraíba, foram realizados 187 transplantes em 2011, 36 a menos do que o ano anterior. Este ano, apenas 14 pessoas receberam novos órgãos. “Esta redução pode ser atribuída a diversos fatores. Durante um período, alguns membros da equipe médica tiveram que se afastar por problemas médicos. Quando esse problema foi restabelecido, o credenciamento para realizar os transplantes venceu”, explicou a diretora geral da Central de Transplantes da Paraíba, Gyanna Lins.
Com o credenciamento das equipes médicas vencido, João Pessoa não está realizando transplantes de rins há mais de seis meses e as cirurgias estão sendo realizadas em Campina Grande. Os transplantes de coração também estão paralisados em todo o Estado desde janeiro de 2010.
Corações são jogados fora
De todos os corações disponíveis para doação na Paraíba nos últimos anos, foram utilizadas apenas as válvulas cardíacas, as quais foram retiradas e encaminhadas ao Banco de Válvulas, de Curitiba, no Paraná. Como o coração só aguenta apenas de quatro a seis horas mantido fora do corpo, fica inviável enviá-lo para outros estados. Ou seja, acabaram sendo “desperdiçados”. Na última quinta-feira, Ministério Público colocou hospitais, equipes médicas e secretarias municipal e estadual de Saúde contra a parede para tentar solucionar o caso. Após duas semanas de audiências, os médicos aceitaram a proposta do Governo de um adicional de 20% (fígado) e 30% (coração) e o Hospital São Vicente de Paulo se comprometeu em regularizar a situação do seu credenciamento para voltar a fazer transplantes de rins. O prazo dado pelo MP foi até 15 de abril.
Paraíba não realiza exame que detecta se órgão é compatível
A paralisação nos transplantes de rins e coração é o maior problema, mas não o único. Segundo os pacientes da fila de espera, a burocracia para entrega de exames e o serviço ambulatorial precário agravam ainda mais a má qualidade de vida de quem padece aguardando por um órgão. Essa espera sofrida deveria ser breve, mas não é.
O autônomo Humberto de Sousa Nunes, de 48 anos, é uma prova – ainda – viva dessa lentidão. Ele está na fila de rins há 10 anos e já tentou fazer o transplante sete vezes, sendo cinco com cadáveres e duas com doadores vivos. “Já cheguei a entrar na sala de cirurgia várias vezes e não deu certo, por diversos motivos: compatibilidade, os médicos descobriram algum problema de última hora e até já perdi a chance de ser transplantado porque colocaram o rim em um líquido inapropriado”, conta.
O exame de histocompatibilidade (HLA), necessário para comprovar se os tecidos do doador e do candidato ao transplante são imunologicamente compatíveis, não é feito no Estado. Os pacientes paraibanos precisam fazer o exame no Hemocentro de Recife e o resultado só sai de 30 a 60 dias. Não há previsão para implantação desse serviço no Estado, mas segundo a ccordenação de biologia molecular do Hemocentro da Paraíba, caso fosse ativado, o resultado sairia em, no máximo, 15 dias.
São três sessões de hemodiálise por semana. Fazendo os cálculos, Humberto teve a pele perfurada mais de 1560 vezes. As marcas, ele vai levar para sempre. Mas o sofrimento que já passou, o autônomo quer deixar para trás junto com a máquina de hemodiálise. “Quem não tem convênio, sofre para receber atendimento. Há três anos, um dos meus rins se rompeu e eu passei 30 dias com hemorragia no Hospital de Trauma. Sem contar o que a gente passa na máquina. Cãibras fortes, mal estar, picos de pressão alta e baixa, tudo isso eu já sofri. E o pior é ter que se acostumar com isso”, lamenta.
8 remédios por dia são tomados
Outra dificuldade que Humberto – assim como todos os pacientes com insuficiência renal – tem que se habituar é o fato de não poder beber água. “Tenho que beber água como um remédio, em doses muito pequenas. É triste sentir vontade de matar a sede e não poder. Estou fazendo terapia para diminuir minha compulsão por água”. A dieta ainda inclui outras restrições, como alimentos ricos em potássio e fósforo. Hoje, ele ingere oito medicamentos diferentes por dia e passa 12 horas por semana na hemodiálise, além da debilitação que a doença acarreta. Não é uma vida normal, mas ele tem esperanças de que a hora do seu transplante vai chegar. “Tenho um filho de 5 anos. Ele é minha fonte de confiança. Quero ficar bom para acompanhar o crescimento dele. Espero que minha vez chegue logo”, diz.
Transplante une casal
O sofrimento da fila de espera pode ser minimizado pelo apoio da família, de acordo com a psicóloga Anny Paula de Lima. Compartilhar esse drama com alguém próximo pode até fortalecer os laços. É o caso da estudante Shirley da Silva Ferreira, 31 anos, que descobriu a insuficiência renal em 2003. Na época, ela tinha apenas 21 anos e começava um namoro com o técnico em telecomunicações Carlos Alberto Brandão. “Quando descobri que tinha nefropatia crônica, ou seja, uma paralisação total dos rins, meu mundo caiu. Pensei que tinha perdido meu namorado, minha vida por completo”.
Segundo a psicóloga, esse é o primeiro pensamento de quem se depara com uma notícia como essa. “A pessoa imediatamente pensa que vai morrer. Por isso, o ânimo e a perseverança da família são tão importantes para que o paciente não fique depressivo”. Shirley não ficou só mais confiante na cura como também ganhou um companheiro para toda a vida. Hoje, nove anos depois, Carlos e Shirley estão casados e o pesadelo da hemodiálise é apenas uma lembrança. Mas, ultrapassar essa fase – que durou longos quatro anos – não foi nada fácil.
“Simplesmente parei no tempo durante esses anos. Não trabalhava, nem estudava, pois me sentia muito cansada por causa do tratamento, além de ter emagrecido bastante e ficado com a pressão altíssima. Mas o pior trauma foi ver pessoas morrendo na máquina de hemodiálise. É um tratamento muito sofrido e muitas pessoas não aguentavam. E o mais revoltante é que alguns funcionários das clínicas viam isso como algo normal. É triste como a saúde pública trata os doentes”, conta.
Governo vai fornecer medicamentos
Desde o último dia 20, o medicamento Tracolimo (necessário para transplantados de rim e fígado) começou a ser totalmente fabricado no Brasil, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o laboratório Libbs Farmacêutica. As cápsulas já eram distribuídas gratuitamente para cerca de 25 mil pessoas, mas por serem importados, custavam mais para o Ministério da Saúde. A partir de agora, com a produção e tecnologia totalmente nacionais, o Governo estima uma economia de R$ 240 milhões. A primeira carga, com aproximadamente seis milhões de unidades farmacêuticas, está sendo distribuída para as secretarias estaduais de Saúde.
fonte: https://m.correio10.com.br